Raimundo
José de Souza foi nascido em 22 de novembro de 1923, na
Fazenda Lagoa do Barro, Região de Lagoa do Aniceto, Zona Rural de Bom Jesus da
Serra, onde vive até os dias atuais. Sendo filho de Marciano José de Souza e
Marcelina Rosa de Jesus, sendo sete irmãos (cinco homens e duas mulheres).
Raimundo teve uma infância marcada pela cultura de vida
da sua época: sem acesso à escola, e aos sete anos de idade já trabalhava na
lavoura com seu pai e nos dias de folga badocava, brincava de peteca, boi de
osso, montava em animal, entre outras...
TRAJÉDIA
E PELEJA
A sua adolescência foi marcada por um trágico
acontecimento, quando aos 16 anos um tropeiro de nome Antonio que pousou com
sua tropa em Aniceto vindo de Valentim, pediu a seu pai que o emprestasse para
ajudá-lo a conduzir a tropa por uma viagem de 7 dias, e assim foi feito. Porém
os 7 dias combinados resultaram em 7 meses, onde a viagem prosseguiu pelos
Municípios de Mirante, Brumado, Rio do Antonio chegando a Caculé, onde foi
vendido o café. E de la seguiram para Santa Rosa do Panasco chegando até
Condeúba, onde pegaram uma carga de rapadura e seguiram para Gameleira dos
Machados, atualmente Aracatu. A seca assolava a região e nem mesmo farinha se
encontrava para comer, além da sede sofrida, Os tropeiros comiam rapadura com
carne assada, e a saudade de casa a cada dia apertava mais no peito daquele
adolescente que nunca estivera distante do seu lar e da sua família. Às
escondidas Raimundo chorava e quando pedia para voltar para casa o tropeiro lhe
fazia ameaças. Ao vender a carga de rapadura em Aracatu voltaram novamente para
Condeuba e pegando um novo carrego seguiram para Coqueiro de Minas, no Estado
de Minas Gerais. Ficando cada vez mais longe do seu torrão natal e cada dia
maior a sua tristeza e a saudade de casa. Certo dia acidentalmente deixou um
cavalo cair num poço e mal conseguiu proteger a cabeça do animal com uma
madeira indo rapidamente chamar o tropeiro que lhe ameaçou: se o cavalo tivesse
realmente caído na água lhe daria um tiro e lhe mataria. E ao ver que realmente
o animal estava atolado o tropeiro arrancou da cintura uma pistola 380 e para
sorte de Raimundo um fazendeiro que estava junto avançou contra a mão do mesmo
habilmente fazendo o disparo desviar. E o tropeiro enfurecido fez que Raimundo
se ajoelhasse e desse bênção ao fazendeiro e o chamasse de padrinho. E diante
daquele clima ameaçador só coube a Raimundo obedecer às ordens. E em seguida
dirigiram-se para a pousada. Dias depois o tropeiro decidiu vender a tropa e
seguir com Raimundo para São Paulo, mas para sua sorte o negócio não deu certo.
Raimundo chorava com saudades de casa, às escondidas. Sua
única muda de roupa que havia levado já havia acabado sem mesmo ter sido lavada
uma única vez, o cabelo nunca mais tinha
sido cortado, até mesmo banho era difícil tomar. Até que um dia o
tropeiro comprou um pano de fardo e mandou fazer uma calça e uma camisa para
Raimundo, mas nada de ciloura e ainda dizia que tropeiro não precisava andar
limpo e bastava apenas uma peça de roupa.
Raimundo mediante tantos maus tratos resolveu então
fugir. E certa noite quando pegou a estrada por volta da meia noite ao chegar
num dado ponto do caminho havia uma
cerca de quiabento enorme que ele não conseguiu passar, voltando para casa.
Dias depois nova tentativa de fuga foi feita e ao pegar na estrada havia uma cobra enorme fechando a mesma. E Raimundo
voltou desiludido para a pousada do tropeiro. E vendo que não havia solução
resolveu então dar cabo da vida do indivíduo. E certa madrugada enquanto o
mesmo dormia Raimundo levantou foi até a sua camarinha e sacando do punhal do
próprio tropeiro, Raimundo não pensou
duas vezes. Porém ao desferir a arma seu braço endureceu e não conseguiu
aplicar o golpe. Dias depois o Tropeiro pegou sua melhor mula e ordenou que
Raimundo fosse a uma venda distante quatro léguas, para trocar um dinheiro (500
mil Réis – cédula de maior circulação naquela época 1948/49) e assim que trocou
a cédula Raimundo partiu em fuga, porém a mula empinava e não havia chicote nem
espora que fizesse o animal romper, porém ao colocá-la no destino de volta à
rancharia a mesma partiu como bala.
Enquanto isso em Lagoa do Barro os familiares, parentes e
amigos de Raimundo questionavam o seu desaparecimento. Até que sua mãe tomou o
destino de ir a um entendido na Região
de São José em Poções. E ao abrir a Mesa o mesmo contou toda a situação pela
qual Raimundo estava passando e abriu providências em defesa do mesmo, Raimundo
além de escravizado estava também patranhado.
Certo dia ao chegar na rancharia um cobrador que veio de
Laje do Gavião por nome Braulino, Raimundo implorou ao Tropeiro pela sua
liberdade, porém o mesmo fez resistência. Raimundo se ajoelhou às escondidas e
chorando, apelou para os Santos da sua
devoção e depois de muito clamor o Tropeiro comovido resolveu libertar o penitente
escravizado. E ao somar os dias trabalhados pelo mesmo atingiu a quantia da
ordem de 178 mil réis e 600 tostões. O tropeiro levou a mão ao bolso e sacou
uma cédula de vinte mil réis e deu a Raimundo dizendo que era todo o dinheiro
que lhe daria.
Raimundo seguiu viagem à pé destino Estado da Bahia, em
companhia do cobrador e após oito dias de viagem chegaram a Bom Jesus da Serra,
justamente num dia de feira. Raimundo, sujo, maltrapilho, cabeludo, sem
dinheiro e sem brilho no olhar com semblante depressivo e acabrunhado, mesmo
assim despertou a alegria e o emocional de todos que foram ao seu encontro na
casa de Eugino (seu irmão) lhe abraçar e dar as boas vindas. Adãozinho, filho
de Zé Adão riscou imediatamente numa mula destino Lagoa do Barro para pedir as
avistas a Dona Marcelina, porém ao chegar ao Aniceto foi interpelado por João
de Cassiano que ao tomar conhecimento do fato disse para o mesmo que dona
Marcelina já estava sabendo da novidade. Adão voltou sem graça e ao chegar na
casa de Salu dona Ana de Salu lhe
alertou que João havia lhe enganado. Adão voltou repentinamente na mula e ao
aproximar da casa de dona Marcelina o João de Cassiano já estava chegando, mas por ser o animal muito veloz, Adão lhe ultrapassou e gritou: “Pague
as minhas avistas Dona Marcelina que Raimundo está chegando” por
tamanha façanha Adão ganhou um galo (capão). Dona Marcelina perdeu a noção do
tempo e do espaço e nada mais soube fazer até que mais tarde o seu filho
realmente chegava em casa.
Zé de Luca, que
havia indicado ao tropeiro para levar Raimundo consigo, veio imediatamente para a casa de Raimundo com
um grupo e amigos. Na casa nunca tinha acontecido uma festa, porém nesse dia
cantaram um reis, sambaram, dançaram e farrearam pela tarde e a noite inteira
até ao raiar do outro dia. Raimundo passou uns tempos atrapalhado, mas após
cumprir algumas promessas feitas por sua mãe e seguir alguns rituais
orientados, voltou ao normal. E só foi sair de casa novamente após atingir a
idade adulta. Quando foi trabalhar no Sul em companhia de amigos e parentes em
roçagem de cacau.
CASAMENTO
Em 1946 Raimundo iniciou um namoro com venozina, filha de um vizinho que morava na
Região dos Noratos, cujo namoro durou 3 anos: “Foram três anos um fazendo careta
pro outro nas repartições onde se encontravam, porque chegar perto ou conversar
era proibido pelas normas familiares daquela época” disse Raimundo, em
frente a Dona Venozina com quem se casou em 1949 e dessa união tiveram oito
filhos, sendo quatro homens e quatro
mulheres, onde um filho e uma filha já faleceram, restando ainda seis filhos
vivos. Raimundo deu conta de que possui 20 netos e 3 bisnetos.
OFÍCIOS
Raimundo sempre exerceu o ofício de lavrador, porém nas
quatro vezes que foi a São Paulo trabalhou em construção civil. E por ironia do
destino exerceu também o ofício de tropeiro, com mão de obra escravizada.
ARTES
Como a lavoura nem sempre foi certa e suficiente para
manter as famílias no sertão Bom-jesuense Raimundo buscou renda extra nas
artes, confeccionando gamela, colher de pau, pilão, cabos de foice e machado,
balaios, panacum, pau de cangaia, boneco
de madeira, tamancos, entre outros para vender nas feiras e ajudar na
manutenção da família.
E para diversão Raimundo sempre foi um grande animador
pela habilidade com que domina instrumentos como: pandeiro, zabumba, triangulo,
gaita, violão, viola, berimbau, entre outros.
Além de ser conhecido como o rei do zabumba, Raimundo é
cantador de reis, contra-dança, samba de roda, repentista, cantador de coco,
quadra, beira-mar, vortado inteiro entre outros. Ajuda nas cantigas de
ladainhas, benditos, Santo Ofício, insulta pessoas, entre outras.
Raimundo completa 90 anos no dia 22 de novembro de 2013 –
na Semana da Consciência Negra. Ele também sempre teve participação na política
do Municipio, já fez alguns cordéis sobre os políticos e os pleitos
eleitoreiros.
A história de vida e os feitos artesanais e artísticos de
Raimundo são dignos de reconhecimento e resgate como patrimônio histórico
cultural no Municipio de Bom Jesus da Serra.
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